SAARA: 50 anos de História!




Pensar em compras e economizar o máximo que puder no Rio de Janeiro é pensar em um destino certo. De fato, existem aqueles que preferem a comodidade dos grandes shoppings centers espalhados pelos cantos da cidade, calçadões e compras pela internet. Aos mais dispostos e conhecedores da arte da pechincha, existe aquilo que chamam de maior  "maior shopping ao céu aberto" do mundo. Localizado em uma área histórica do Centro da cidade, o SAARA é tradição quando o quesito de custo-benefício na vida do carioca consumista. Com mais de 1.200 lojas reunidas em um quadrilátero que vai da Praça da República à Rua dos Andradas, este centro comercial oferece aos consumidores muito mais do que promoções e preços baixos. Apesar disto, o SAARA tem uma história. Não apenas uma história contada como qualquer outra, mas uma história de influências na mentalidade, na cultura, na sociedade e na economia da cidade do Rio de Janeiro.

Buscar a fundo a importância do que hoje é uma instituição de tradições familiares no meio de arranha céus modernos, pertencentes às grandes multinacionais, dentro de uma metrópole, que preserva a arquitetura do final do século XIX e início do século XX, exige um cuidadoso detalhismo para não se perder nenhum detalhe deste grande acontecimento cosmopolita. De certo sabemos que o Rio de Janeiro é uma cidade onde as diferenças convivem lado a lado (fenômeno de toda grande cidade do mundo). Porém, reunir árabes e judeus no mesmo espaço seria possível? E o que representa e representou o SAARA na economia da cidade dentro destes 50 anos de sua formação como um grupo? Questões como estas e outras mais levantamos para analisar um grande fenômeno social que chamou atenção de várias organizações do mundo por suas peculiaridades que jamais alguém imaginaria poder existir em qualquer ouro lugar do planeta!


As origens do SAARA

"O SAARA , atualmente, é composto de 1.250 lojas com apenas um intuito: Chamar o cliente para dentro delas. Temos segurança dia e noite, banheiros públicos para aqueles que frequentam nossas ruas e uma equipe médica que conta com duas enfermeiras diplomadas e ambulância", disse Demétrio Habib, presidente de honra do SAARA, ao ser interrogado sobre como está estruturado o grupo de comerciantes que compõem o espaço. Apesar da notável organização da instituição, não foi uma fácil conquista para os comerciantes da região. Para explicitar tamanha conquista e destaque dentro da sociedade carioca, temos que voltar no tempo, antes de 05 de outubro de 1962, para analisarmos a estruturação por completo. Tive o prazer de passar algumas tardes conversando com a ilustre figura de Demétrio Habib. Muito atencioso e disposto a contar as minúcias do comércio local, nos forneceu informações riquíssimas a respeito da história do SAARA.


Império Otomano 
(Imagem da Internet)

O ano era 1914. O Império Otomano veria sua queda 8 anos após, com a modernização imperial impulsionada pela Alemanha, com quem lutou lado a lado na Primeira Guerra Mundial.  Com a derrota alemã, a desintegração do império seria certa: enfraquecido pela economia que escapava aos olhos da administração otomana, sendo as atividades econômicas conduzidas pelos povos conquistados, o declínio começa a partir do século XVII. Neste contexto de declínio e guerras, podemos destacar um grande movimento de imigração das regiões conturbadas para outros países do globo. O Brasil não estaria isento desta onda imigratória.

Os Mascates (do termo árabe El-Matrac), como eram denominados os imigrantes árabes, teriam um papel fundamental no comércio brasileiro. A grande porta formal, se assim podemos dizer, para esta imigração fora a diplomacia do imperador D. Pedro II. Meio século antes dos grandes conflitos mundiais, D. Pedro II visitaria o Líbano, que fazia parte do então Império Otomano, encantado com a moralidade dos primeiros libaneses que vieram ao Brasil e o amor à nova pátria. Em Beirute faria o convite a todos aqueles que quisessem emigrar para o Brasil, recebendo-os de braços abertos. A chegada dos primeiros libaneses no Brasil se dá no ano de 1880. 

Diante de fatores já mencionados no começo do século XX, o fluxo de imigrantes sírios e libaneses encontraria a sua disponibilidade uma acirrada disputa entre companhias de navegações, principalmente francesas e italianas, para a liderança no clímax europeu de migração, instaurado pelos conflitos. O barateamento das passagens faria com que sírios e libaneses saíssem de seus países de origem, fazendo escala na Europa, para embarcarem nestes navios, com diversos destinos. Aos que chegavam ao Rio de Janeiro, encontravam hospedagem no Hotel Boueri, que ficava na Praça da República, entre as ruas da Alfândega e a desaparecida General Câmara. Encontravam hospedagem e alimentação barata, além de reverem parentes e semelhantes. Os imigrantes que chegavam passavam por adaptações e aclimatações, sendo indicados por aqueles que já estavam instalados em terras brasileiras a procurarem marceneiros de qualidade para forjarem armarinhos ambulantes. 


Família de Gabriel Habib
(Arquivo Pessoal de Demétrio Habib)


Os mascates tiveram grande importância na disseminação do comércio ambulante do Brasil. Com suas caixas de tamanhos variados, transportavam todo tipo de objetos para serem comercializados, desde as grandes cidades até os mais remotos pontos dos sertões. Conhecidos como “turcos”, independente de sua nacionalidade, levavam utilidades, conforto e progresso por onde passavam. A caixa de mascate tornou-se um dos símbolos do progresso brasileiro, mesmo com seu trabalho informal. Vendiam a prestações, tendo como garantia de crédito a palavra. Com essas andanças comerciais, muitos dos antigos ambulantes conseguiram fazer fortuna no Brasil, tornando-se grandes empresários. Podemos observar, com isso, que, refletindo um aspecto dos tempos coloniais, o Brasil continuou sendo uma terra de oportunidades: Muitos viam a então América portuguesa como uma chance de recomeço (ou, quem sabe, um começo, propriamente dito). 


Rua da Alfândega com Rua da Candelária, 1890.


Uma nova realidade, diferente dos contratempos enfrentados em suas terras natais. Mas como prosperar em uma terra desconhecida? Herança de linhagem familiar ou mentalidade individual de progresso? O sucesso do SAARA estaria em uma destas fórmulas?


Gabriel Habib: O pioneiro



Gabriel Habib

A SAARA, atualmente, é um potencial pólo comercial de atacado e varejo. Abordamos a respeito da chegada dos Mascates, que neste quadrilátero de ruas firmaram suas empreitadas em terras brasileiras. Entretanto, diante dos fundadores desta corporação comercial, podemos destacar aquele que deu início às vendas de varejo no shopping a céu aberto. Partindo do Líbano no começo do século XX, Gabriel Habib chega ao Brasil com seus 19 anos de idade, reunindo-se com seus três irmãos, Furjalah, Nacle e Habib em terras cariocas. 

Gabriel Habib, nascido em 16 de novembro de 1894, na cidade de Beirute, teve sua infância interrompida aos 12 anos para começar a trabalhar como auxiliar da pedreiro, nos arrabaldes de sua cidade natal, capital de seu país de origem. Filho de Mitre Abud Habib e Rosine Ajuz Habib, era o quarto dos cinco irmãos  e sétimo entre os nove filhos do casal. Já no Brasil, trabalhou com seus irmãos Nacle e Furjalah. Em uma viagem de negócios ao Uruguai, conheceu sua esposa Joana Mery, voltando de lá casado. Esta breve introdução a respeito da biografia do homem que foi o pioneiro do varejo na Rua da Alfândega esconde uma grande habilidade para o comércio. 


Rua da Alfândega, 1928

A Rua da Alfândega do começo do final do século XIX, começo do século XX, era uma rua suja, mal iluminada e perigosa, assim como as de suas adjacências. As lojas que lá se instalaram comercializavam tecidos e materiais para costura, em sua grande maioria. Imporatavam tais produtos de países estrangeiros e revendiam no atacado para consumidores de São Paulo e do próprio Rio de Janeiro. Gabriel Habib era dono da "Gabriel Habib e Filhos", na Rua da Alfândega, nº 297-301. 

Seu pioneirismo varejista aconteceu quando uma cliente da alta sociedade entrou em sua loja e pediu que lhe vendesse 25 cm de lese bordado, algo praticamente impossível para os moldes das lojas da rua naquela época, pois todas vendiam apenas em atacado. Após muita negociação, Gabriel decidiu vender o pedido, recusando o pagamento, pois, com aquela situação, visualizou uma ideia que revolucionaria as vendas: decidiu transformar sua loja em varejo. Apesar de enfrentar reprovações de vizinhos comerciantes, decidiu prosseguir com sua ideia, que lhe rendeu um status de pioneiro do varejo no SAARA. Entre seus fregueses ilustres, estria dona Darcy Vargas, esposa de Getúlio Vargas, que frequentava a loja para comprar tecidos que usaria para confeccionar os uniformes da "Casa do Pequeno Jornaleiro". Após a iniciativa de Gabriel Habib, as Lojas JK foram a segunda casa a vender varejo na Rua da Alfândega, sendo esta inaugurada pelo presidente Juscelino Kubitschek.

Além do pioneirismo no Centro da cidade do Rio de Janeiro, Gabriel Habib era interessado pelos lotes de terra compradas pelos irmãos, no Areal, hoje o bairro de Coelho Neto, no subúrbio do Rio. Filho de lavradores, sabia que as terras eram propícias para o plantio, de muito valor. Pegava o trem ao menos duas vezes por semana apenas para apreciar as terras do Areal, já que em seu s país de origem terra era algo escasso, tendo as pessoas que plantarem até mesmo dentro de casa!  Após alguns anos, já casado e estabelecido no Rio de Janeiro, mudou-se para o Areal, onde seu primeiro projeto inicial para as terras foi a construção de uma olaria para comercializar as matérias primas para se erguerem os comércios locais. Dividia-se, então, entre seus empreendimentos da Rua da Alfândega e do Areal.

Após sua nova empreitada, sua olaria já teria proporcionado um pequeno comércio local, dando ao Areal contornos de bairro, animando aqueles que ali tinham terrenos. Proporcionou, com isso, um investimento maior nestas terras distantes até mesmo do Departamento de Obras, que ali instalou a "PARADA DO AREAL", uma pequena plataforma para aqueles que tomavam o trem e ali desciam. Depois do comércio, vieram as casas populares do material fornecido pela olaria de Gabriel, alugadas a preços módicos para incentivar o crescimento do bairro. Também mantinha em sua casa medicamentos, já que não existia uma farmácia nos arredores e, até mesmo, aplicava injeções, quando necessário. Emprestava dinheiro e vendia fiado, em grandes prestações. Aliou-se a um professor que residia no bairro para construir a primeira escola do Areal, enfrentando os contratempos da secretaria de educação da capital federal, já que o Areal ficava apenas a 20 quilômetros do Centro e não tinha investimento para a educação de suas crianças. 

Dos esforços de Gabriel Habib para a construção do Areal, sobrou a ingratidão dos políticos da época. Após a inauguração da escola, muitos deles subiam ao palanque para discursar, esquecendo-se daquele que lutou para o crescimento do bairro. Lutou, também, junto com os moradores, para o fornecimento da luz elétrica. O "turco", como era conhecido no bairro, estava sempre disposto a ajudar com sua filantropia à todos aqueles que recorriam ao seu apoio.


Rua Gabriel Habib, em Campo Grande, Rio de Janeiro

Gabriel Habib morreu no ano de 1958. Mesmo com todo seu pioneirismo, seja no Centro, seja no subúrbio carioca, nunca recebeu uma homenagem no bairro que ajudou a criar. Nos dias atuais, tem seu nome escrito em uma rua de Campo Grande e em um centro de treinamento no bairro do Rocha.


SAARA: De Carlos Lacerda aos dias atuais


Carlos Lacerda na Rua da Alfândega (Arquivo pessoal de Demétrio Habib)

O ano de 1962 veria a construção do SAARA como uma grande sociedade. E como nasceu esta ideia? Após a ideia pioneira de Gabriel Habib e sua venda a varejo na loja da família, seu filho, Demétrio, seria, juntamente com os comerciantes locais, o defensor daquilo que seu pai teria começado. 

O SAARA, como uma "Sociedade de Amigos e Adjacências da Rua da Alfândega", teria sido estruturada em defesa dos interesses dos comerciantes locais diante da construção do viaduto que passaria entre as ruas do comércio, destruindo as lojas. O governador do então Estado da Guanabara, Carlos Lacerda, transformara o Estado em um canteiro de obras e, entre seus planos, estria a construção da via que levaria da Praça XV até a Central do Brasil.  


Carlos Lacerda na loja "Gabriel Habib e Filhos"
(Arquivo pessoal de Demétrio Habib)

A carta na manga dos comerciantes estava no fato de serem os maiores pagadores de ICM do Estado, o que acarretaria uma decisão de Lacerda a favor da integridade do espaço. Foi a maior vitória para os comerciantes do local, dentre as demais que teriam. Após a reeleição de Carlos Lacerda, o mesmo compareceu ao escritório de Demétrio Habib, na Rua da Alfândega, onde ficava a loja da família, juntamente com secretários, para comemorar sua vitória. 


Carlos Lacerda recebendo flores de Lilian Mary, filha de Demétrio Habib
(Arquivo pessoal de Demétrio Habib)

Desde a vitória dos comerciantes em 5 de outubro de 1962 até os dias de hoje, o SAARA é referência, seja em questões econômicas, políticas, culturais e sociais. Teria sido denominado como a ONU Brasileira, por agrupar em um mesmo espaço árabes, judeus e cristãos. A Organização das Nações Unidades mandou 150 jovens de diversas partes do mundo para verificarem a exatidão destas informações que, em qualquer outro canto do planeta, seria praticamente impossível acontecer: A convivência fraterna entre diferentes etnias e religiões. Podemos destacar o famoso café "Bunda de Fora", histórico ponto de encontro entre os comerciantes do local, tão pequeno que seus frequentadores ficavam sentados, mas, como o próprio apelido diz, ficavam com suas bundas de fora! É também um pólo de propaganda política para aqueles candidatos populistas, já que concentra grande número de pedestres que lá buscam encontrar preços baratos para suas aquisições. 


Loja Gabriel Habib e Filhos, 1986

O SAARA tem um grande diferencial dos shoppings centers da cidade: Seus preços variam de 60 a 70% abaixo dos oferecidos por estes grandes centros de comercio. É uma das inspirações para diversas sociedades de comerciantes dentro e fora do Rio de Janeiro. O quadrilátero que, veticalmente, vai da Praça da República até a Rua dos Andradas e, horizontalmente, da Rua da Alfândega até a Rua Buenos Aires, concentra o ponto de encontro de todas as nacionalidades dentro de uma cidade cosmopolita, que é o Rio de Janeiro. 


Curiosidades do SAARA na História



Saara, 2012. Rua Senhor dos Passos
(Arquivo Pessoal)


O Hino Nacional Brasileiro fora composto por Francisco Manuel da Silva em um balcão de loja na Rua da Alfândega;

A Igreja de Santa Efigênia e Santo Elesbão, na Rua da Alfândega, e a Igreja de Nossa Senhora da Lampadosa, na Avenida Passos, foram um dos redutos das irmandades de escravos e libertos no século XIX. Localizadas na antiga freguesia do Sacramento, estas irmandades eram locais de uma busca de uma identidade africana rompida pela instituição escravocrata no Brasil;

A Rua Buenos Aires, antes de receber este nome, tinha o nome de Rua do Hospício;

A Praça da República foi palco de momentos importantes da História do Brasil, como a aclamação de D. Pedro I como imperador do Brasil, em 1822, quando ainda era Campo de Santana. Assitiu, também, o casamento de Pedro I com D. Amélia em 1830 e foi palco, em 1831, do protesto contra a formação do novo ministério.


Fontes:

VENTURELLI, Rosália. Exposição Artes Carioca: Conhecendo o S.A.A.R.A.

Revista SAARA Informa: SAARA 50 Anos 1962 - 2012

Site: http://www.coelhoneto.wordpress.com/

Site: http://www.rioquepassou.com.br/

Entrevista cedida por Demétrio Habib, presidente de honra do S.A.A.R.A.

Comentários

  1. Olá tudo bem,sou da bahia,encontrei uma moeda grande ou brasão com a imagem de habib em alto relevo e no verso imagem de um prédio,eu acho.

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